quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

 
 
 
 
 
 
 
 
 
GESTÃO DOCUMENTAL : INSTRUMENTO DE ACESSO À INFORMAÇÃO
 
Inicialmente quero agradecer ao Presidente do TRT 24 pela generosa acolhida ao MEMOJUTRA e destacar sua sensibilidade e clarividência em promover um seminário de capacitação, que trata da importância da gestão documental para possibilitar a preservação da memória da Justiça do Trabalho e a efetiva implementação da Lei de Acesso à Informação, em benefício do cidadão.
Nas terras forradas de pau-brasil, em que se plantando tudo dava, o Estado português se instalou com força, antes que a nação brasileira tivesse a chance de iniciar seu processo de formação.
Aqui se apresentou “personalista e patrimonialista”, marcado pela privatização do espaço público, em que a sobrevivência do individuo dependia das benesses e do humor de um rei senhor da razão e da vida de seus vassalos, restringindo o controle de acesso nas mãos de alguns.
Pouco contavam o esforço e a capacidade de trabalho. Pelo contrário,era um demérito ter que trabalhar para sobreviver, pois significava falta de engenho e arte. Muitos se gabavam de que em suas famílias não se trabalhava há várias gerações.
Não existia o cidadão. As relações eram de soberano para súdito, pautadas pela subserviência e submissão. O Direito e a lei eram privilégios de certos grupos.
A abolição da escravatura, sem qualquer política pública de proteção, jogou na rua, de uma só vez, um expressivo contingente de pessoas que, pretensamente livres, dependiam de seu trabalho para sobreviver, dando origem a uma estrutura de poder pautada pela injusta distribuição de renda.
O estado de menoridade institucional, em que continuou confinado aquele que não era detentor de propriedade e tinha que trabalhar para sobreviver, permaneceu também nos primórdios do século XX, pois a proclamação da República, como ato deliberativo de uma minoria, ocorreu à margem da nação, que pouco soube ou nada entendeu.
Durante as primeiras décadas da república a nação encontrou dificuldades para se constituir, pois foi subjugada por um Estado autista e perdulário, que dela pretendia apenas extrair recursos para sustentar uma casta de privilegiados, que faziam questão de ostentar notória ojeriza e desapreço pelo trabalho .
O Direito protegia apenas interesses patrimoniais de poucos, desenho institucional que passou a ser questionado quando levas de trabalhadores europeus aportaram ao Brasil, tangidos pela guerra. A capacidade de trabalho demonstrada pelos que sabiam lavrar a terra aos poucos revelou que, longe de se constituir num demérito, o trabalho produzia riqueza, assim evidenciando sua força como motor de um novo modelo de desenvolvimento, abalando os pilares do antigo sistema.
A chegada de Getúlio Vargas marcou o inicio de uma nova estrutura produtiva de base urbano-industrial, e levou à percepção da necessidade de implementar a formação da nacionalidade brasileira, encontrando eco no pensamento de Oliveira Vianna, que alertava para o risco de manter uma nação sem coluna vertebral, num país de dimensões continentais.
Neste contexto, o Direito do Trabalho surge como via de inclusão dos não-proprietários ao sistema jurídico. Oferece meios para transformá-los em cidadãos, mediante a inovadora proposta de imbricar critérios de justiça comutativa com justiça distributiva, o que para a época soava como heresia, pois quebrava os cânones tradicionais ao se apresentar como um direito híbrido, abarcando institutos tanto de direito privado como de direito público.
Em 1941 a Justiça do Trabalho foi instituída para atuar, singelamente, como algodão entre os cristais, a fim de impedir que os choques provocados pelos conflitos entre empregados e empregadores quebrassem a normalidade da vida institucional que começava a se estabelecer. Entretanto, exatamente por isso, desde sua gênese se pautou por um procedimento dialógico, comprometida com o direito vivo e a primazia da realidade, rejeitando as livrescas formulações teóricas que não tinham nada a ver com o cotidiano do mundo do trabalho. Daí a plêiade de reações contrárias que sempre provoca, até hoje. Tratar administrativamente a questão social até que podia. Agora, querer que um braço da justiça distributiva passasse a atuar como órgão do Poder Judiciário, aí era demais para os puristas da dogmática.
A par dos debates que sempre cercaram o surgimento da Justiça do Trabalho no Brasil, alguns bem pejorativos, restou inequívoco que, por sua simplicidade, desde o início esteve mais perto do cidadão.Além disso, atuou avant la lettre nos procedimentos adotados para implementar a celeridade e a objetividade, privilegiando a oralidade, adotando linguagem menos rebuscada e mais compreensível, um português “mais brasileiro”, o que facilitava a composição dos interesses em conflito.
Premida pela urgência de ter que decidir conflitos de subsistência de um ser humano concreto e situado num determinado entorno social, político e econômico, desde o início a Justiça do Trabalho focou no substantivo, rejeitando a linguagem empolada, recheada de filigranas e, por isso, em inúmeras oportunidades foi vista como uma estranha no ninho do jurídico.
Com a judicialização da questão social, a Justiça do Trabalho abriu as portas para a inclusão jurídica daqueles que até então não eram sujeitos de direitos, por não ostentarem a condição de proprietários. Ao acolher os que eram mantidos fora do sistema, passa a atuar como verdadeira indutora do parto de uma nacionalidade genuinamente brasileira.
Superou a condição de simples amortecedora de conflitos e passou a atuar como protagonista, inserida no eixo de formação da nacionalidade brasileira, pautando-a pela valorização do trabalho humano.
Nestes 75 anos atuou de maneira significativa para a pacificação social, conseguindo resultados que em muitos países só foram obtidos com o uso da força em revoluções e guerras civis.
Durante o século XX, empenhada na luta pelo reconhecimento do trabalho como valor republicano e amálgama eficiente para a formação da nossa nacionalidade, forneceu suporte jurídico para preservar a dignidade do trabalhador como pessoa, além de garantir a obtenção de melhor distribuição de renda, pilares necessários para garantir o desenvolvimento sustentável do nosso país.
Neste período teve altos e baixos.
Voltamos a viver agora mais um momento grave, que pode levar a sua precarização, o que nos impõe o desafio de atuar para evitar o risco de retrocesso dos marcos emancipatórios, edificados a duras penas nas últimas décadas. Neste contexto, a gestão documental eficiente se revela ferramenta necessária e imprescindível para garantir o efetivo acesso às informações, que registram a notável atuação da nossa Justiça, em colocar a centralidade do trabalho como passaporte para a inclusão daqueles que anteriormente estavam alijados da cidadania.
Ao comemorar seus 10 anos de fundação o MEMOJUTRA, que ora presido, reafirma seu compromisso com a preservação do expressivo acervo que documenta esta atuação da Justiça do Trabalho porque, parafraseando as reflexões de Miguel Reale, na obra Horizontes do Direito e da História, “temos consciência de que trabalhamos com algo que, por sua natureza, não admite soluções definitivas e cristalizadas, porque sabemos da sutil compreensão, da prudente mensuração que se requer para a experiência jurídica, que é a experiência concreta da liberdade humana.”
Finalizo lembrando que é chegado o momento de lutar e comungar com o pensamento de Martin Luther King, pois nós “não estamos satisfeitos, e não estaremos satisfeitos enquanto o direito não jorrar como a água, e a justiça como uma torrente inesgotável.”
TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI
Presidente do MEMOJUTRA